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CALCÁRIOS CÁRSTICOS: ÁREAS DE RISCO PARA A ENGENHARIA

Introdução

Com o progressivo crescimento das cidades e da ocupação física do território brasileiro por atividades próprias da agricultura, da mineração e da infraestrutura civil, e consideradas as numerosas expressões calcárias de nossas formações geológicas, tem-se multiplicado os problemas e os riscos associados à presença de estruturas e fenômenos cársticos.

Bastante exigida nos EUA, países europeus e asiáticos, a Geotecnia Cárstica constitui, no entanto, uma área técnica ainda incipiente para a Geologia de Engenharia e a Engenharia Geotécnica brasileiras, pelo que se torna imperativa e fundamental uma maior troca de experiências profissionais com o problema, como também uma atenção especial a estudos e pesquisas que se aprofundem na compreensão dos fenômenos cársticos e nas soluções de engenharia mais adequadas para enfrenta-los.

Esse é o exato objetivo desse artigo, colaborar para trazer o tema para a pauta da Geotecnia brasileira e dar conhecimento mais amplo sobre trabalhos que o autor vem conduzindo, com destaque ao município de Cajamar no Estado de São Paulo, e às conclusões geológicas e soluções de engenharia que, a propósito, tem sido desenvolvidas.

Rápido histórico de problemas geotécnicos associados a fenômenos cársticos no Brasil

Com diferentes consistências em sua descrição foram já relatados os seguintes casos de subsidências cársticas no país: Mairinque - SP, Cajamar – SP, Sete Lagoas - MG, Almirante Tamandaré PR, Bocaiúva do Sul – PR, Colombo – PR, Vazante – MG, Teresina - PI, Lapão – BA.

Muitos outros eventos similares por certo já aconteceram por todo o país, mas que, por motivos vários, não obtiveram repercussão de mídia e/ou devida atenção de especialistas para sua análise e registro técnico.

Cajamar e Mairinque estão situadas em rochas calcárias do Grupo São Roque, Sete Lagoas e Vazante em calcários do Grupo Bambuí, Lapão em calcários do Grupo Una, as cidades paranaenses em calcários do Grupo Açungui. As subsidências verificadas em Teresina estão associadas a lentes calcárias pertencentes à Bacia Sedimentar do Parnaíba.

O famoso Buraco de Cajamar, colapso ocorrido em agosto de 1986 no bairro de Lavrinhas. Foto arquivo IPT


















Os diferentes processos de carstificação

As feições de dissolução cárstica podem ter origem hipogênica, quando as dissoluções são promovidas por águas interiores hidrotermais ácidas ascendentes, ou epigênica, quando as dissoluções são promovidas por águas meteóricas ácidas que se dirigem para um determinado nível hidrológico de base regional. Não são raros carstes de origem hipogênica retrabalhados por processos epigênicos.

As rochas calcárias são rochas carbonáticas, em que predominam os carbonatos de cálcio (CaCO3) e magnésio (MgCO3), que as compõem em diferentes proporções, formando então os calcários calcíferos (mais ricos em carbonato de cálcio) e os calcários dolomíticos (mais ricos em carbonato de magnésio). No âmbito dos processos epigênicos as águas de chuva (H2O) interagem com o gás carbônico (CO2) do ar produzindo um ácido fraco, o ácido carbônico (H2CO3). Essas águas assim levemente acidificadas, ao encontrar um maciço calcário fraturado, penetram por essas descontinuidades e vão lentamente, através do tempo geológico, dissolvendo a rocha e produzindo vazios que podem evoluir para grandes fendas, cavernas e canais por onde fluem as águas interiores. A maior parte das famosas e belas cavernas brasileiras, com suas estalactites e estalagmites, são feições originadas desse fenômeno de dissolução de rochas calcárias.

Abatimento cárstico na cidade de Teresina - PI



















Os problemas geotécnicos e ambientais próprios de terrenos cársticos

O principal fenômeno cárstico de interesse da engenharia é o abatimento, brusco ou lento, de terrenos. Esses abatimentos, que podem destruir por completo edificações de superfície, colocando em risco patrimônios e vidas humanas, podem ser decorrentes do colapso de um teto de caverna, de contínua migração do solo de cobertura para o interior de vazios na interface solo/rocha ou na própria rocha calcária.

Tão mais prováveis serão os abatimentos quanto mais próximos da superfície estejam os vazios do maciço rochoso ou os vazios da zona de interface solo/rocha e do próprio horizonte de solos sobreposto à rocha sã.

Em boa parte do território brasileiro, por decorrência de seu clima tropical úmido, as rochas calcárias cársticas estão cobertas por uma camada de solos de espessura variada, são os chamados carstes cobertos, o que torna muito comum o abatimento decorrente de vazios residuais na camada de solos ou vazios resultantes da migração de solo para o interior de vazios subterrâneos. Carstes exumados, ou seja, calcários cársticos em superfície ou muito próximos à superfície, são mais comuns em climas áridos, onde as condições ambientais inibem a ação do intemperismo químico produtor de solos.

Um outro grande risco advindo da ocupação de terrenos cársticos está relacionado à construção de reservatórios de água (barragens para produção de energia ou abastecimento). As águas do reservatório podem migrar em grande vazão para os vazios da rocha calcária, não só impedindo o completo enchimento do lago, como provocando variações de nível, fluxo e pressões no lençol subterrâneo, o que, de sua parte, coloca em risco a própria obra da barragem, como também outras edificações próximas.

Do ponto de vista ambiental os terrenos cársticos, pela possibilidade de franca e rápida comunicação entre águas superficiais e águas subterrâneas, obrigam um redobrado cuidado para que se evite a contaminação do lençol freático. Nessas condições deverá ser severamente evitada em regiões cársticas a instalação de empreendimentos geradores de riscos de contaminação do solo e da água subterrânea, como indústrias utilizadoras ou produtoras de produtos químicos perigosos, disposição precária de lixo ou resíduos contaminantes no meio rural e urbano, cemitérios, depósitos vários de substâncias contaminantes, etc.

A importância da modelagem geológica

Ainda que os diferentes terrenos cársticos tenham elementos estruturais e fenomenológicos em comum, a experiência prática nacional e internacional tem mostrado ser essencial a elaboração de um exato modelo geológico específico para cada caso com que os empreendimentos humanos se defrontem. Será esse modelo geológico - no qual devem ser destacadas em importância a distribuição espacial das diversas feições de interesse, os elementos fenomenológicos implicados em possíveis subsidências e a dinâmica hidrogeológica natural e induzida - que orientará as decisões de engenharia a serem tomadas. Sem a referência de um modelo geológico fatalmente essas decisões ficarão sujeitas a uma considerável margem de insegurança, portanto incorporando sérios riscos construtivos e operacionais para o pretendido empreendimento.

O importantíssimo fator hidrogeológico na evolução dos fenômenos cársticos

Todas as ocorrências de abatimentos cársticos conhecidas no Brasil estão de alguma forma associadas a rebaixamentos do lençol de água subterrâneo, ou como conseqüência de um longo período de estiagem pluviométrica ou como decorrência direta de algum tipo de interferência humana, especialmente uma excessiva exploração de água subterrânea através de poços profundos. O rebaixamento do lençol freático implica na quebra do equilíbrio hidrostático subterrâneo e no direcionamento de redes de fluxo para o interior das cavidades com decorrente carreamento de solos. Nesse sentido, torna-se imperativo que municípios que contenham calcários cársticos em seu território munam-se de um instrumento jurídico que lhes permita evitar, em caráter preventivo, a ocorrência dessa natureza de acidentes. Esse é o sentido da Lei proposta nesse livro: que os municípios nessa condição geológica contem com um Plano de Gestão de Exploração de Poços Profundos, onde fiquem definidos todos os requisitos para que esses poços, ou não possam ser instalados em determinadas áreas, ou se obriguem a obedecer um rígido programa de uso que garanta a proteção dos níveis freáticos locais.

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