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UM CÓDIGO FLORESTAL ESPECÍFICO PARA AS CIDADES

O progressivo rebaixamento da qualidade ambiental de vida nos centros urbanos e os trágicos acontecimentos que recorrentemente atingem as cidades brasileiras, especialmente aquelas que se estendem ou se expandem para regiões de topografia acidentada e/ou geologicamente sensíveis, impõem-nos a obrigação de melhor considerar as implicações da aplicação do Código Florestal ao espaço urbano. A propósito, no caso específico das cidades é indispensável que a necessária discussão que há por se fazer seja retirada do foco de tensão criado por polêmicas que tem origem na questão rural, não urbana.

Pode-se dizer que já existe entre os profissionais que lidam com a questão urbana um pleno consenso acerca da impropriedade do atual Código Florestal no que se refere à sua aplicação ao espaço urbano. É uma legislação inspirada na problemática rural, por decorrência, equivocada conceitual e estruturalmente para a gestão ambiental do tão singular espaço urbano.

As cidades constituem a mais radical e severa intervenção modificadora do homem no meio físico geológico, compondo um novo e particular ambiente, total e inexoravelmente diverso do ambiente natural então imperante no território virgem. Nessa nova condição recebem hoje como moradores e usuários mais de 80% da população mundial, ou seja, cerca de 5 bilhões e 600 milhões de habitantes, que se proverão de altos níveis de qualidade espiritual e ambiental de vida não por buscar ingênua e insanamente retornos ao ambiente natural original, mas sim, com sua deliberação e inteligência, por dotar o novo ambiente dos requisitos indispensáveis à saudável e feliz existência humana.

O meio urbano é um ambiente absolutamente desnaturalizado (aqui no sentido exato da palavra, ou seja, que não guarda e não se propõe a obrigatoriamente guardar relações e dependências diretas com o meio natural original). A cidade foi feita pelo homem para atender suas necessidades em abrigo, defesa do grupo, produção econômica e trocas comerciais, convívio social, cultura, lazer, vida material e espiritual etc., no padrão de qualidade da vida em que decidiu viver, e esses objetivos são permanentes; e nos devem ser, especialmente aos técnicos e administradores públicos, onipresentes.

Atributos ambientais válidos para o meio rural, e básicos no atual código, como biodiversidade de flora e fauna, corredores biológicos, exploração sustentável de florestas etc., não fazem o mínimo sentido para as cidades.

Como também podemos entender, pelos interesses sociais envolvidos, que áreas que teoricamente seriam definidas como APPs (Áreas de Preservação Permanente) pudessem vir a ser ocupadas por equipamentos urbanos, como um corredor viário, ou um complexo hospitalar, por exemplo, tão importantes quanto uma área florestada para a qualidade de vida urbana.

Considere-se que as áreas florestadas no espaço urbano podem ser criadas deliberadamente e em qualquer tipo de terreno ou situação geográfica pela administração pública e pelos agentes privados, ou seja, não necessariamente teriam que ser resultado da manutenção de corpos florestais naturais originais ou associados a APPs.

Aliás, fato real é que se a cidade depender dos remanescentes florestais originais, ou de APPs determinadas pelo atual Código Florestal, enfrentará um enorme déficit de áreas verdes florestadas. E quanto mais áreas verdes florestadas melhor serão cumpridas suas atribuições ambientais e funcionais de regulação climática, redução da poluição atmosférica, retenção das águas de chuva/combate às enchentes, recarga de aquíferos, proteção de encostas contra a erosão e deslizamentos, proteção de margens e mananciais, abrigo e alimentação da fauna urbana, lazer, embelezamento da paisagem urbana e aproximação física e espiritual dos cidadãos com a natureza. Por isso, não bastam os bosques remanescentes e APPs, é preciso criá-los onde a cidade o decidir.

Desse ponto de vista, poder-se-ia falar em uma manutenção mínima de áreas florestadas no espaço urbano, não havendo limite máximo para atributo tão benéfico. Tomando a sub-bacia hidrográfica como território de gestão ambiental do espaço urbano, pode-se, por exemplo, pensar na obrigatoriedade legal de uma cobertura florestal com extensão mínima de 12% da área total da sub-bacia.

Outra situação específica para o caso urbano: do ponto de vista de riscos geológicos e geotécnicos, como deslizamentos e processos erosivos, as áreas de topo das elevações topográficas são extremamente mais favoráveis do que as áreas de encostas para uma segura ocupação urbana. Essa qualidade geotécnica das áreas de topo de morro deve-se à formação de solos mais espessos e evoluídos, portanto, mais resistentes à erosão, e à quase inexistência de esforços tangenciais decorrentes da ação da força de gravidade. Situação inversa ocorre com as encostas de alta declividade, instáveis por natureza e palco comum das recorrentes tragédias geotécnicas que têm vitimado milhares de brasileiros.

Esse aspecto geológico e geotécnico sugere que, dentro de um regramento ambiental da expansão urbana, possa-se evoluir na concordância em se liberar, sob condições, a ocupação dos topos de morro, aumentando-se as restrições para a ocupação das encostas.

No que se refere ao aumento de restrições para a ocupação de encostas na área urbana, veja-se que o atual Código Florestal define como APP (Área de Preservação Permanente) somente as encostas com declividades superiores a 45º (100%). Outra vez a geometria se impondo à ciência. Os conhecimentos geológicos e geotécnicos mais recentes e abalizados indicam que especialmente em regiões tropicais úmidas de relevo mais acidentado há probabilidade de ocorrência natural de deslizamentos de terra já a partir de uma declividade de 30º (~57,5%). Por seu lado, a Lei Federal nº 6.766, de dezembro de 1979, conhecida como Lei Lehmann, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano no território nacional, em seu Artigo 3º, item III, proíbe a ocupação urbana de encostas com declividade igual ou superior a 30% (~16,5º), abrindo exceção para situações onde são atendidas exigências específicas das autoridades competentes. Consideremos que essas situações de exceções possam ser admitidas, desde que justificadas e sob responsabilidade técnica expressa, até um limite máximo de 46,6% (25º); pois bem, a leitura geológica e geotécnica dessa questão sugere a providencial decisão de se reduzir de 45º para 25º o limite mínimo de declividade a partir do qual as áreas de encosta devam ser consideradas APPs no espaço urbano. Imagine-se o ganho ambiental para as cidades brasileiras que decorreria de uma medida de tanta racionalidade como essa, ou seja APPs florestadas em encostas já a partir de 25º, e não mais de 45º.

O exemplos explicitados ilustram a imperativa necessidade de produção de uma legislação ambiental especificamente voltada à realidade urbana brasileira. Uma legislação que tendo em conta e respeitando as dinâmicas próprias do espaço urbano, seja capaz de contemplar e assegurar os atributos ambientais indispensáveis à qualidade de vida dos cidadãos. Que se realize esse bom debate em clima de soma e entendimento.

© Copyrights - Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
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