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SUBSÍDIOS PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA DE GESTÃO DE RISCOS. CARTA GEOTÉCNICA E CARTA DE RISCOS: DISTINÇÕES NO SIGNIFICADO, NA ELABORAÇÃO E NO USO

RESUMO: As recorrentes tragédias geotécnicas que vêm se abatendo sobre municípios brasileiros tiveram ao menos como saldo positivo, e esperamos irreversível, a consciência geral sobre a importância em se ter em conta as características geológicas e geotécnicas dos terrenos na regulação técnica do uso do solo urbano. Do ponto de vista das essenciais ações preventivas e de planejamento, vem ficando igualmente consensuado o destacado papel a ser cumprido pela Carta Geotécnica municipal, o mesmo acontecendo com as Cartas de Risco no que se refere a ações emergenciais e corretivas. A ponto de sua elaboração já constituir expressiva demanda de serviços junto a instituições e empresas brasileiras que trabalham na área geotécnica. Nesse cenário é indispensável que o meio geotécnico brasileiro uniformize seu entendimento sobre os principais aspectos conceituais e metodológicos envolvidos na produção dessas ferramentas cartográficas, de forma a garantir consistência e qualidade na produção de tão estratégico instrumento de planejamento do uso do solo.

 

1. INTRODUÇÃO

Como um “carma” já desgraçadamente internalizado pela sociedade brasileira, especialmente por suas autoridades públicas e privadas e por sua mídia, repetem-se anualmente à época das chuvas mais intensas as tragédias familiares com terríveis mortes por soterramentos. A dor e o sofrimento causados por essas tragédias expressam uma crueldade ainda maior ao entendermos que poderiam ser plenamente evitadas. Há casos de edificações associadas à classe média e à classe mais abastada cometendo erros elementares na ocupação de relevos acidentados, e colhendo por isso consequências trágicas, mas predominantemente os desastres mais comuns e fatais estão vinculados a escorregamentos em encostas de média a alta declividades ocupadas habitacionalmente pela população pobre de nossas grandes e médias cidades, Rio, Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Recife, Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Campos do Jordão, Ouro Preto, Cubatão, Guarujá, Angra dos Reis, Caraguatatuba, enfim, todas as cidades brasileiras que de alguma forma avançam sobre regiões de relevos acidentados.

A exemplo das enchentes, das quedas de barreiras em nossas estradas, dos rompimentos de barragens, dos diversos e cada vez mais comuns acidentes em obras de engenharia, tudo continua se passando como se definitivamente e estupidamente decidíssemos não considerar que nossas ações sobre os terrenos naturais interferem com uma natureza geológica viva, que tem história, leis, comportamentos e processos dinâmicos próprios; natureza geológica que uma vez desconsiderada e desrespeitada responde procurando, à sua maneira, recompor-se dos desequilíbrios que lhe foram impostos. Os escorregamentos representam exatamente isso, a natureza geológica procurando novas posições de equilíbrio. Para uma mais precisa compreensão do problema e para o correto equacionamento de sua solução, é indispensável considerar separadamente dois aspectos fundamentais, mas bem diversos, dessa questão; o fator técnico e o fator político-social-econômico.

Frente ao ponto de vista estritamente técnico, e administrações públicas e privadas envolvidas, vale afirmar categoricamente que não há uma questão técnica sequer relacionada ao problema que não já tenha sido estudada e perfeitamente equacionada pela Engenharia Geotécnica e pela Geologia de Engenharia brasileiras, com suas soluções resolvidas e disponibilizadas, tanto no âmbito da abordagem preventiva como da corretiva. Cartografia Geotécnica (indicando as áreas que não podem ser ocupadas em hipótese alguma e as áreas passíveis de ocupação uma vez obedecido um elenco de restrições e providências), tipologia de obras de contenção mais adequadas, projetos de ocupação urbana apropriados a áreas topograficamente mais acidentadas, Cartas de Risco, metodologia e tecnologia de Planos de Defesa Civil, e tudo o mais que se refere à questão, são parte do ferramental que o meio técnico brasileiro abundantemente já produziu e disponibilizou à sociedade para o enfrentamento do problema.

No que concerne às componentes sociais, políticas e econômicas do problema, é essencial ter-se em conta que a população mais pobre, compelida a buscar soluções de moradia compatíveis com seus reduzidos orçamentos, tem sido compulsoriamente obrigada a decidir-se jogando com seis variáveis, isoladas ou concomitantes: grandes distâncias do centro urbano, áreas de periculosidade, áreas de insalubridade, irregularidade imobiliária, desconforto ambiental, precariedade construtiva. Somem-se a isso loteadores inescrupulosos, total ausência da administração pública, inexistência de infraestrutura urbana, falta de sistemas de drenagem e contenção e outros tipos de cuidados técnicos, etc.

Ficam assim diabolicamente atendidas as condições necessárias e suficientes para a inexorável recorrência de nossas terríveis tragédias geotécnicas. Ou seja, em que pese a necessidade dos serviços públicos melhorarem em muito sua eficiência técnica e logística no tratamento do problema “áreas de risco”, não há como se pretender resolver esta questão somente através da abordagem técnica. A questão também remete pesadamente para a necessidade de programas habitacionais mais ousados e resolutivos, que consigam oferecer à população de baixa renda moradias próprias na mesma faixa de custos em que ela as encontra nas situações de risco geológico. Esses programas habitacionais poderiam reunir virtuosamente dois casos técnico-sociais de comprovado sucesso: o lote urbanizado e a autoconstrução tecnicamente assistida.

A autoconstrução foi o método construtivo espontaneamente adotado pela própria população de baixa renda e que maior sucesso alcançou no atendimento de suas carências habitacionais, mesmo sem assistência técnica alguma ou qualquer outro tipo de apoio. Hoje, as periferias de nossas grandes cidades são verdadeiros oceanos de autoconstruções. Com certeza, um programa desse tipo, diferentemente dos programas mais clássicos, seria capaz de atender com habitações dignas e fora de áreas de risco, com razoável rapidez, centenas de milhares de famílias de baixa renda em todo o país.


2. A ARMADILHA DA ABORDAGEM DE RISCO

Com a melhor das intenções os geólogos de engenharia e os engenheiros geotécnicos e demais profissionais que trabalham com a questão do uso do solo urbano, acabaram por cair em uma armadilha tecnológica armada pela inconsequência das administrações públicas no cumprimento de suas obrigações e atribuições de planejamento e ordenamento da expansão urbana. Inconsequência da qual resulta a incontrolável progressão do surgimento de áreas de risco e decorrentes acidentes e tragédias. Especialmente a partir de meados da década de 1970, a Geologia de Engenharia e a Engenharia Geotécnica brasileiras, no contexto conceitual de uma abordagem preventiva, iniciaram a produção a de um excelente ferramental técnico para as ações de planejamento e regramento técnico do uso do solo, sob a ótica geológica e geotécnica. A Carta Geotécnica se destaca entre essas ferramentas de caráter preventivo e de planejamento.

Ela proveria aos administradores públicos as informações necessárias a não ocupar áreas de alta potencialidade natural a eventos geotécnicos potencialmente destrutivos e a utilizar as técnicas mais adequadas para a ocupação de outras áreas naturalmente menos problemáticas. No entanto, com a aversão que a administração pública brasileiras vem demonstrando à cultura da prevenção e do planejamento urbano, e com a decorrente multiplicação das situações de risco já instalado, os geotécnicos brasileiros foram progressivamente migrando para uma abordagem corretiva/emergencial de Defesa Civil. Surgiram assim as Cartas de Risco, os Programas de Defesa Civil, as ações emergenciais de retirada de moradores e instalações em risco, sistemas de monitoramento de chuvas e escorregamentos, novas alternativas em obras de contenção, etc. Essa abordagem de risco tem atendido melhor nossos administradores e políticos, em sua grande maioria sempre muito mais propensos a torcer para que nada aconteça em seus mandatos e a culpar chuvas, geologia, população ou Deus pelas desgraças eventualmente acontecidas.

Se a abordagem de risco se impõe como prioritária aos países onde o risco geológico é totalmente natural, vulcanismo, terremotos, tsunamis, etc., ou seja, independe da vontade humana, em nosso caso, as situações de risco (escorregamentos, enchentes, erosões) são associadas a intervenções humanas no meio físico geológico, podendo, portanto, ser mitigadas ou totalmente evitadas no depender da vontade humana. Obviamente, diante do quadro atual não há como não atender as situações emergenciais, pois o passivo geotécnico é enorme, mas estaríamos cometendo um erro tremendo se colaborássemos para passar à sociedade brasileira a estapafúrdia ideia de que o risco é inevitável e que, se bem administrado, seria até aceitável.

É preciso virar o jogo, voltando à carga nas ações preventivas de planejamento, om o que evitaríamos que novas situações de risco fossem criadas, estancando então a diabólica sucessão de erros e tragédias. Na prática essa diretriz significaria a aplicação da única estratégia que o bom senso técnico e gerencial indicaria para a recuperação do controle técnico sobre o crescimento urbano: parar de errar e corrigir o errado que já foi feito. O meio técnico brasileiro, especialmente seus geólogos, engenheiros geotécnicos, arquitetos, urbanistas, geógrafos, precisa se articular para essa indispensável correção de rumos, Aproveitando a oportunidade desse artigo, procurando colaborar para uma devida e necessária uniformização conceitual, indispensável à boa discussão do tema, transcrevo a seguir uma proposta de definição conceitual para Carta Geotécnica e Carta de Risco.

A Carta Geotécnica traz informações sobre todas feições geológicas e geomorfológicas de uma determinada região quanto ao seu comportamento geotécnico frente às solicitações típicas de um determinado tipo de ocupação. É essencialmente um instrumento de planejamento do uso do solo. As mais comuns são as CGs orientadas à ocupação urbana. Definem as zonas que não podem ser ocupadas de forma alguma e aquelas que podem ser ocupadas uma vez obedecidos os critérios técnicos estipulados pela própria Carta.

A Carta de Riscos delimita em uma área ou região as zonas ou os compartimentos submetidos a um determinado tipo de risco (por exemplo, escorregamentos) frente a um determinado tipo de ocupação (por exemplo, urbana), definindo os diferentes graus de risco e as providências necessárias associadas a cada um desses graus. Geralmente é realizada para uma situação já com problemas detectados ou acontecidos e é mais comumente um instrumento de ações emergenciais de Defesa Civil e/ou reorganização da ocupação. 


3. ASPECTOS ESSENCIAIS NA ELABORAÇÃO DE UMA CARTA GEOTÉCNICA

As recorrentes tragédias geotécnicas que vêm se abatendo sobre municípios brasileiros tiveram ao menos como saldo positivo, e esperamos irreversível, a consciência geral sobre a importância em se ter em conta as características geológicas e geotécnicas dos terrenos na regulação técnica do uso do solo urbano. Do ponto de vista das essenciais ações preventivas e de planejamento, vem ficando igualmente consensuado o destacado papel a ser cumprido pela Carta Geotécnica municipal, a ponto de sua elaboração já constituir expressiva demanda de serviços junto a instituições e empresas brasileiras que trabalham na área geotécnica. Nesse cenário é indispensável que o meio geotécnico brasileiro uniformize seu entendimento sobre os principais aspectos conceituais e metodológicos envolvidos na produção de uma Carta Geotécnica, de forma a garantir consistência e qualidade na produção de tão estratégico instrumento de planejamento do uso do solo. Nesse sentido, o ideal seria termos em breve manuais orientativos da produção de cartas geotécnicas e cartas de risco, providência que já vem sido considerada pelas associações técnico científicas do setor, no caso a ABMS e a ABGE. No entanto, como a demanda a essas orientações está desde já colocada, faz-se oportuna a troca de informações e artigos técnicos entre os geotécnicos brasileiros como expediente de avançarmos no entendimento comum das questões conceituais e metodológicas envolvidas, objetivo com o qual esse artigo procura colaborar.

A questão conceitual

A Carta Geotécnica é um documento cartográfico que informa sobre o comportamento dos diferentes compartimentos geológicos homogêneos de uma área frente às solicitações de um determinado tipo de intervenção, e complementarmente indica as melhores opções técnicas para que essa intervenção se dê com pleno sucesso técnico e econômico. Importante frisar esse conceito: uma Carta Geotécnica implica necessariamente na conjugação do mapa de zoneamento geotécnico com as recomendações técnicas de ocupação. A CG é um documento básico para a formulação de Planos Diretores, Códigos de Obra e demais instrumentos de regramento técnico do uso do solo. Por se referirem a algum tipo específico de ocupação há muitos tipos de CGs, como, por exemplo, CGs voltadas a subsidiar a instalação de aterros sanitários, depósitos de resíduos industriais perigosos, cemitérios, etc., em que o risco mais destacado está na contaminação do lençol freático. Para essas cartas as características de permeabilidade dos compartimentos geológico-geomorfológicos e seu papel na recarga dos aquíferos é essencial. No caso presente estaremos nos referindo especialmente às cartas geotécnicas voltadas a subsidiar tecnicamente a expansão urbana em regiões úmidas de relevos acidentados, para as quais as características dos terrenos quanto à sua suscetibilidade a escorregamentos destaca-se como a fundamental.

A questão metodológica

O primeiro passo na produção da Carta Geotécnica está na definição dos parâmetros críticos que serão utilizados na compartimentação espacial da área estudada e que definirão os setores compatíveis com a ocupação urbana e os setores que, por suas  características, serão considerados non edificandi. Em nossas regiões tropicais serranas esses parâmetros já estão bem estudados e conhecidos, restando poucas dúvidas ou discordâncias a respeito. São eles:

  • Feições geomorfológicas como as grotas ou cabeceiras de drenagem;
  • Talvegues encaixados e suas vertentes;
  • Encostas com declividade superior a 40%, ou algo em torno desse valor, sendo as encostas retilíneas aquelas que sugerem maiores cuidados;
  • Feições geológicas de maior instabilidade definidas por posicionamento espacial de estruturas geológicas e texturas petrográficas;
  • Presença de matacões e blocos de rocha em superfície e sub-superfície;
  • Faixas de terreno a montante ou a jusante de encostas instáveis (que, portanto, podem ser respectivamente desestabilizadas por descalçamento ou atingidas por material proveniente de deslizamentos);
  • Áreas baixas à margem e à frente de vales historicamente sujeitos a corridas de lama e detritos;
  • Áreas que podem ser atingidas por rolamento de matacões ou queda de blocos e lajes;
  • Margens de drenagens naturais sujeitas a solapamentos;
  • Antigos lixões ou bota-fora de entulho;
  • Áreas a montante ou a jusante de anteriores intervenções humanas desestabilizadoras.

O segundo passo metodológico volta-se para a produção propriamente da Carta. Para os estudos e análises associados a essa fase de trabalho são necessários ao menos os seguintes mapeamentos temáticos básicos: geologia, geomorfologia, declividade, formas de uso do solo, intervenções humanas desestabilizadoras (especialmente cortes e aterros), evidências de escorregamentos naturais e induzidos. Destaque-se que a elaboração de uma CG, ainda que não prescinda da liderança técnica do geólogo de engenharia e do engenheiro geotécnico, é uma ação multidisciplinar, que deve envolver outras especializações profissionais, como os geógrafos, cartógrafos e arquitetos urbanistas. Uma vez identificados os setores não ocupáveis, passa-se à terceira etapa dos trabalhos, onde devem ser hierarquizados segundo seus diferentes graus de risco os setores passíveis de ocupação e então estabelecidas as orientações técnicas para que essa ocupação se dê da forma mais correta. Entre essas orientações, destacam-se:

  1. Como diretriz, usar a criatividade e adaptar o projeto à topografia e não a topografia ao projeto;
  2. Evitar ao máximo cortes e aterros. Se possível, aboli-los por completo;
  3. Adotar lotes com a maior dimensão paralela às curvas de nível;
  4. As edificações deverão ter sua parte frontal apoiada sobre pilotis (ou expedientes equivalentes), assim
  5. evitando encaixes na encosta;
  6. Em caso de loteamentos, somente liberar as construções nos lotes após toda infraestrutura urbana já instalada: arruamento, pavimentação, drenagem;
  7. Demarcar os lotes sem retirar a vegetação e o solo superficial. Somente retirar a vegetação e o solo superficial, se realmente necessário, no momento da construção de cada edificação, ou seja, lote a lote;
  8. Em terrenos muito inclinados reduzir o número de ruas a nível, devendo ser privilegiadas as ruas em ladeira e o acesso a pé às moradias;
  9. Não deverão ser instaladas em hipótese alguma fossas de infiltração. Outro sistema de esgotamento sanitário deverá ser adotado;
  10. Não são permitidas roças de banana, mandioca ou de qualquer outro produto agrícola;
  11. Implantação de denso e amplo sistema de drenagem superficial, de forma a retirar da área ocupada o mais rapidamente quanto possível as águas pluviais, reduzindo, portanto, a possibilidade de infiltração dessas águas;
  12. Todos os espaços urbanos públicos de circulação e uso dos moradores, incluindo ruas, passagens, acessos, pequenos largos e praças, quadras esportivas e áreas de lazer, deverão ser mantidos impermeabilizados;
  13. As propriedades somente poderão manter em condições naturais (para utilização como horta ou jardim) no máximo 1/3 (um terço) de sua área não edificada do lote, sendo que os 2/3 restantes deverão ser impermeabilizados com argamassa de cimento ou assentamento de piso impermeável;
  14. Todas as edificações deverão instalar calhas para recolhimento das águas do telhado e sua condução a sistema de drenagem apropriado.









Construção em laje lançada sobre pilotis como expediente de se evitar cortes na encosta

A questão da escala de apresentação

As Cartas Geotécnicas que serão utilizadas nas decisões rotineiras de regramento de uso do solo pelas Prefeituras Municipais devem estar em escala compatível com a precisa localização de suas informações (especialmente os limites entre diferentes compartimentos geotécnicos) no campo. Essa condição exige no mínimo escalas 1:5000, com eventuais detalhamentos em 1:1.000. Escalas menores, 1:25.000, 50.000, etc., são mais próprias de Cartas Gerais de Suscetibilidade, com outra finalidade, como as  abordagens macrorregionais, mas não se prestam a trabalhos e operações de campo.


A histórica Carta Geotécnica dos morros de Santos e São Vicente (SP) concluída em 1978


Tabela anexa à Carta Geotécnica de Santos e São Vicente contendo todas as orientações
e restrições construtivas para os setores passíveis de ocupação

 

4. ÁREAS DE RISCO: QUANDO DESOCUPAR, QUANDO CONSOLIDAR

As recorrentes tragédias geotécnicas que têm anualmente ceifado a vida de centenas de cidadãos brasileiros estamparam clara e definitivamente a necessidade da administração pública brasileira ter em conta as características geológicas dos terrenos na definição e aplicação dos critérios de regulação técnica do crescimento urbano.

Não há hoje a mínima dúvida sobre a essencialidade dos municípios basearem seus Planos Diretores e Códigos de Obras nas disposições espaciais e normativas de uma Carta Geotécnica. Se esses instrumentos técnicos não forem utilizados a responsabilidade criminal das autoridades públicas perante eventuais acidentes geotécnicos que ocorram como decorrência estará claramente evidenciada.
Porém, o passivo de erros geotécnicos já cometidos é imenso, e muitas áreas de alto risco geológico-geotécnico já estão ocupadas, assim como, pela absurda inadequação técnica das formas de ocupação, muitas áreas geologicamente compatíveis com a ocupação urbana também apresentam generalizada presença de situações de risco instaladas. Esse enorme passivo geotécnico urbano impõe a necessidade de intervenções urbanísticas urgentes de caráter corretivo voltadas a eliminar ou ao menos reduzir drasticamente a possibilidade da ocorrência de novas tragédias geotécnicas.

Essas intervenções urbanísticas eliminadoras de riscos geológico-geotécnicos exigem dos geotécnicos (geólogos de engenharia e engenheiros geotécnicos) uma primeira decisão essencial diante das diferentes situações que lhes são colocadas: o que se imporia como mais indicado, a desocupação da área ou sua manutenção como área urbana ocupada via obras de consolidação geotécnica?

De qualquer modo, o instrumento indispensável para dar suporte a esse tipo de decisão é a Carta de Riscos, com a qual são caracterizados os subsetores de uma determinada área segundo seus diferentes graus de risco (internacionalmente são definidos 4 graus de risco: Baixo, Médio, Alto e Muito Alto). No entanto, os critérios para, a partir da Carta de Riscos, chegar-se à decisão sobre que subsetores desocupar e que subsetores consolidar ainda não estão devidamente estabelecidos ou consensuados na Geotecnia brasileira e internacional, tendo na prática prevalecido o bom senso dos profissionais envolvidos. Se sua confiabilidade não é desprezível, há consciência de que o simples bom senso não é suficiente, e deva-se chegar a uma definição mínima de critérios norteadores de tais decisões. Consideremos alguns elementos que possam auxiliar a avaliação de alguns fatores essenciais na boa solução dessa questão, em especial tendo em conta nossas regiões úmidas (com altos índices de pluviosidade) de topografia acidentada.


Subsetores classificados em Risco Geotécnico natural Muito Alto ou Alto (Graus de Risco 4 e 3) originalmente impróprios à ocupação urbana: DESOCUPAÇÃO

Os subsetores classificados em Risco Geotécnico Muito Alto e Alto, que por suas características geológico-geotécnicas originais não seriam de forma alguma liberados para a ocupação urbana, devem ser inquestionavelmente desocupados. Não há  sentido algum em, ou já preventivamente, ou corretivamente, adaptar para a ocupação urbana, via obras de consolidação geotécnica, um setor já naturalmente instável do ponto de vista geológico e geotécnico.

É válido também considerar-se como elemento reforçador da decisão de desocupação urbana de uma determinada área a intenção de marcar um fato simbólico/cultural/educativo para a sociedade, ao evidenciar que áreas com aquela similaridade geológica não devem e não podem ser ocupadas.

Subsetores classificados em Risco Geotécnico induzido Muito Alto ou Alto (Grau de Risco 4 e 3) originalmente passíveis de ocupação urbana: PONDERAÇÃO CUSTO/BENEFÍCIO
Trata-se de setores que, se utilizadas as técnicas adequadas, poderiam ser ocupados. Depreende-se que os riscos existentes foram provocados por erros técnicos na ocupação, com destaque à temerária sucessão de cortes e aterros para produção de patamares planos, desmatamento com plantio de roças, desorganização da drenagem, instalação de fossas de infiltração, disposição de lixo e entulho, etc.
A decisão de desocupação ou manutenção da ocupação urbana dos subsetores classificados em Risco Geotécnico Muito Alto ou Alto, que por suas características geológico-geotécnicas naturais poderiam ser ocupados desde que adotados os cuidados técnicos para tanto adequados, exigirá a análise setorial e a análise caso a caso (edificação a edificação) e dependerá de uma análise Custo/Benefício. No caso da análise setorial devem ser cotados os custos totais da consolidação geotécnica capaz de dotar a área de segurança geotécnica e os custos necessários a abrigar seus moradores em novas habitações em novas áreas. Na análise caso a caso, os custos de consolidação necessários para especificamente dotar aquela edificação de segurança geotécnica e os custos envolvidos em sua remoção. Algumas questões devem ser tidas em conta nessa ponderação:


Subsetores classificados em Risco Geotécnico induzido Muito Alto ou Alto (Grau de Risco 4 e 3) originalmente passíveis de ocupação urbana: PONDERAÇÃO CUSTO/BENEFÍCIO

Trata-se de setores que, se utilizadas as técnicas adequadas, poderiam ser ocupados. Depreende-se que os riscos existentes foram provocados por erros técnicos na ocupação, com destaque à temerária sucessão de cortes e aterros para produção de patamares planos, desmatamento com plantio de roças, desorganização da drenagem, instalação de fossas de infiltração, disposição de lixo e entulho, etc.

A decisão de desocupação ou manutenção da ocupação urbana dos subsetores classificados em Risco Geotécnico Muito Alto ou Alto, que por suas características geológico-geotécnicas naturais poderiam ser ocupados desde que adotados os cuidados técnicos para tanto adequados, exigirá a análise setorial e a análise caso a caso (edificação a edificação) e dependerá de uma análise Custo/Benefício. No caso da análise setorial devem ser cotados os custos totais da consolidação geotécnica capaz de dotar a área de segurança geotécnica e os custos necessários a abrigar seus moradores em novas habitações em novas áreas. Na análise caso a caso, os custos de consolidação necessários para especificamente dotar aquela edificação de segurança geotécnica e os custos envolvidos em sua remoção. Algumas questões devem ser tidas em conta nessa ponderação:

  • É comum o cenário em que algumas remoções individualizadas propiciam uma economia considerável, capaz de justificar economicamente a opção pela manutenção da ocupação urbana via obras e serviços de consolidação geotécnica;

  • Uma área que é desocupada irá demandar algum serviço, ainda que leve, de estabilização geotécnica e posteriores serviços de reflorestamento, o que a guindará a uma condição de área urbana florestada, aos moldes de uma APP, ou seja, uma área desocupada não pode ser simplesmente abandonada, irá exigir algum tipo de intervenção e isso tem custos;

  • Em uma decisão de manutenção da ocupação urbana sempre se deverá dar preferência a obras leves e simples de consolidação geotécnica voltadas à inibição do principal fator imediato dos deslizamentos, qual seja a saturação dos solos (com destaque para os serviços de impermeabilização, drenagem superficial e profunda, eliminação de fossas e lixões, etc.). Obras de consolidação mais sofisticadas e de grande porte, além de dispendiosas normalmente exigem trabalho de maquinário pesado e intervenções na geometria da encosta.


Subsetores classificados em Risco Geotécnico natural Médio e Baixo (Graus de Risco 2 e 1) originalmente propícios à ocupação urbana: MANUTENÇÃO DA OCUPAÇÃO URBANA – POSSÍVEL ADENSAMENTO DA OCUPAÇÃO

Ressalvados casos raros e isolados em que se justifique decidir pela remoção de uma ou outra edificação, é natural o prevalecimento da decisão de manutenção da ocupação urbana nos subsetores classificados em Graus de Risco 2 e 1, considerando a baixa exigência de obras de consolidação geotécnica e seu natural baixo custo. Frente à necessidade presente de acomodar moradores cujas moradias tenham já sido destruídas, ou que estejam em áreas que serão desocupadas, é aconselhável avaliar a oportunidade de intervenções urbanísticas que possam viabilizar condições seguras e socialmente dignas de adensamento populacional nesse tipo de subsetor.


GESTÃO DE RISCOS GEOLÓGICOS – LINHAS DE AÇÃO

FOCO ESTRATÉGICO: ELIMINAÇÃO DO RISCO

CARÁTER

AÇÕES

INSTRUMENTOS DE APOIO

PREVENTIVO

Regulação técnica da expansão urbana impedindo-se radicalmente a ocupação de áreas de alta e muito alta suscetibilidade natural a riscos.

  • MAPA DE SUSCETIBILIDADE
  • CARTA GEOTÉCNICA

Regulação técnica da expansão urbana obrigando que áreas de baixa e média suscetibilidade natural a riscos somente possam ser ocupadas com técnicas a elas adequadas.

  • CARTA GEOTÉCNICA
  • CÓDIGOS DE OBRA


CORRETIVO

Reassentamento de moradores de áreas de alto e muito alto risco geológico natural.

  • CARTA DE RISCOS

Consolidação geotécnica de áreas de baixo e médio risco geológico natural e de áreas de risco induzido.

  • CARTA DE RISCOS
  • PROJETOS DE CONSOLIDAÇÃO GEOTÉCNICA


EMERGENCIAL

Remoção imediata de moradores de áreas de alto e muito alto risco em situações críticas.

  • CARTA DE RISCOS

Concepção e implementação de Planos Contingenciais de Defesa Civil com participação ativa da população.

  • CARTA DE RISCOS
  • SISTEMAS DE ALERTA

 

REFERÊNCIAS

Cerri, L E e Amaral C P, 1998 – Riscos Geológicos. Em Geologia de Engenharia, ABGE, Cap 18

JTC-1, the joint ISSMGE, IAEG and ISRM Technical Committee on Landslides and Engineered Slopes. Guidelines for landslide susceptibility, hazard and risk zoning for land use planning. Published at Engineering Geology 102(2008): 83-84.

Nakasawa V, Prandini F L, Santos A R, Freitas, C G L, 1991 – Cartografia Geotécnica: a Aplicação como Pressuposto. 2º Simpósio de Geologia do Sudeste. Anais SBG

Pejon, Osni José e Zuquette, Lázaro, 2004. Cartografia Geotécnica e Geoambiental. 582p. ABGE-UFSC.

Santos, Álvaro Rodrigues dos, 2009. Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática, 207p. 2ª edição Editora O Nome da Rosa. Caso 15 – Carta Geotécnica dos Morros de Santos e S. Vicente.

Santos, Álvaro Rodrigues dos. Artigos técnicos associados ao tema.

Santos, Álvaro Rodrigues dos - “ENCHENTES E DESLIZAMENTOS: CAUSAS E SOLUÇÕES” – Livro. Editora Pini, São Paulo, 2012

Santos, Álvaro Rodrigues dos - “MANUAL BÁSICO PARA A ELABORAÇÃO E USO DA CARTA GEOTÉCNICA”. Livro. Editora Rudder. São Paulo, 2014

Santos, Álvaro Rodrigues dos - “CIDADES E GEOLOGIA”. Livro. Editora Rudder, São Paulo, 2017

Santos, Álvaro Rodrigues dos - “GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL”. Co-autoria do CAPÍTULO 38 – GESTÃO MUNIIPAL. ABGE, São Paulo, 2018

Zuquette, L e Nakasawa, V. 1998. Cartas de Geologia de Engenharia. Em Geologia de Engenharia, ABGE, Cap 17.



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